Patrícia Benvenuti, Brasil de Fato
Leia mais a entrevista:
“As comunidades são o nosso termômetro”
{morfeo 9}
Abundância de recursos para grandes obras de infraestrutura, mas desrespeito com o seu cidadão. Essa foi a conclusão da Relatoria Nacional pelo Direito à Cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca) que realizou uma missão em São Paulo e região metropolitana para averiguar denúncias sobre violações de direitos humanos e de direito à moradia.
Entre os dias 17 e 18 de dezembro, o relator nacional da Plataforma, Orlando Junior, e o assessor da Relatoria, Cristiano Muller, visitaram comunidades na periferia e moradores em situação de rua, além de participarem de reuniões com representantes do poder público.
De acordo com os relatos, a situação das comunidades é grave e precária: famílias próximas ou com suas casas dentro de córregos poluídos, ameaças de despejo e reintegração de posse, violências diversas e incerteza sobre o futuro.
A Relatoria constatou ainda semelhanças em relação às “alternativas” propostas pelo poder público para as famílias despejadas: cartas de crédito, a fim de que os moradores comprem outro imóvel; cheques-despejo entre 1,5 mil e 8 mil reais, cestas básicas e passagens para suas cidades de origem.
Pelas ruas, a missão chegou a presenciar um caminhão da Prefeitura jogando água em um grupo de moradores, enquanto policiais tentava expulsar uma família que dormia ao relento.
Para o relator Orlando Junior, a missão foi exitosa na medida em que conseguiu identificar os problemas de cada comunidade e sua relação direta com a construção de megaempreendimentos, como a ampliação da Marginal do Tietê, a implantação do Parque das Várzeas do Tietê (conhecido como parque linear) e a construção do Rodoanel.
“Isso demonstra que estamos diante de um processo que precisa de atenção e é preciso que todos se mobilizem para a discussão desses projetos”, afirmou.
O assessor da Relatoria, Cristiano Muller, também ressaltou a gravidade da questão habitacional em São Paulo. “A gente pôde avaliar e ter uma noção in loco e presencial do que realmente está acontecendo na cidade, por força de grandes projetos que impactam a vida das pessoas”, explicou.
A opinião dos relatores foi corroborada por depoimentos de moradores que compareceram à audiência. Maria Gorete Barbosa, do Parque Cocaia I, na região do Grajaú, expôs um pouco do descaso vivenciado pelas famílias. Seu bairro, no extremo sul da cidade, está na mira do Programa Mananciais, que deve impactar cerca de 80 comunidades nos arredores da Represa Billings.
“Eles não mostram o que tem de projeto para nossa área, mas estão tirando as famílias aos poucos para não reivindicarem seus direitos”, afirma Maria Gorete, que teme pelo destino das famílias. “As pessoas não têm para onde ir, só tem aquele barraquinho para morar. Ela vai fazer o quê? A gente nem sabe mais a quem recorrer”, completa.
Mercantilização
Para a Relatoria, São Paulo é um exemplo da mercantilização das cidades, com a entrega de seus espaços à iniciativa privada e transferência da população pobre para regiões cada vez mais afastadas do centro, muitas vezes situadas em áreas de risco. “Antes de atender a interesses econômicos, a cidade precisa atender aos seus moradores”, argumentou.
O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Nabil Bonduki atribui a intensificação das remoções às gestões de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (DEM), que favorecem as empreiteiras e o mercado imobiliário. “Em um Estado e uma cidade como São Paulo, com tantos recursos, como pode haver uma situação assim?”, questiona.
Já o defensor público Carlos Henrique Loureiro fez um alerta para as consequencias do crescimento maciço dos despejos nas comunidades e a consequente piora nas condições de vida nas periferias. De acordo com ele, a tendência é de um aumento inevitável das tensões entre moradores e forças do Estado.
“Eu vejo a hora em que a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário não possam mais mediar os conflitos porque a situação caminha a passos largos para uma convulsão social”, prevê.
Mobilização
A Relatoria deve elaborar, até o dia 20 de janeiro, um pré-relatório com os resultados da missão, a fim de agilizar medidas emergenciais nas comunidades mais atingidas. Posteriormente, será feito um documento completo, com conclusões finais dos trabalhos e recomendações para a Prefeitura e o governo do Estado.
Dentre as propostas, a principal foi a criação de um grupo, constituído pelos participantes da audiência, para acompanhar as ações de despejo. De antemão, a equipe recém-formada se comprometeu a algumas ações, como denunciar as assistentes sociais que auxiliam para o despejo das famílias e reivindicar mais atenção para o caso das crianças.
Também foi proposta a criação de uma rede com famílias atingidas de todas as comunidades, a fim de reforçar o elo entre as comunidades e a resistência das famílias. Os moradores chegaram a sugerir, para o início do próximo ano, um dia de mobilização unificada, com ações simultâneas em todas as áreas, para denunciar o impacto dos projetos nas periferias.
Para a presidente da Associação de Moradores do Jardim Oratório de Mauá, Vânia Maria Buré Posterari, a mobilização é a única saída para a sobrevivência das comunidades, que não podem ser prejudicadas para fins eleitoreiros.
“O movimento social tem que se reunir e parar todas essas obras. Se é para entregar isso até o dia 27 de março como parte de campanha, não vamos deixar isso acontecer”, garante.
“As comunidades são o nosso termômetro”
O relator nacional pelo Direito à Cidade da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca), Orlando Junior, e o assessor da Relatoria, Cristiano Muller, realizaram, entre os dias 17 e 18 de dezembro, uma missão em São Paulo e na região metropolitana para averiguar denúncias de violações contra o direito à moradia e à cidade.
Durante a missão, ambos visitaram comunidades impactadas por grandes empreendimentos e moradores em situação de rua, participaram de encontros com representantes do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública e de uma audiência pública na Câmara Municipal.
Até o dia 20 de janeiro, a Relatoria deve elaborar um pré-relatório com os principais resultados da missão e, mais adiante, divulgar um documento completo, com conclusões finais dos trabalhos e recomendações para os órgãos envolvidos na remoção das famílias.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o assessor da Relatoria Cristiano Muller fala sobre o êxito da missão e a continuidade dos trabalhos para combater as violências sofridas pelos moradores.
Brasil de Fato – Qual a avaliação da missão?
Cristiano Muller – Essa missão em São Paulo foi a primeira dessa nova gestão, que leva o nome de Relatoria Nacional pelo Direito à Cidade. A gente estava esperançoso e com muito entusiasmo para que desse muito certo, e o resultado foi impressionante. Teve um apoio muito forte dos movimentos locais, dos movimentos nacionais que estão baseados também em São Paulo, que se articularam, visitaram as comunidades, deixaram as pessoas nos aguardando, pessoas que tinham um relato da situação
efetiva. Todas as situações eram realmente graves, de extrema urgência, e a gente pôde avaliar e ter uma noção /in loco /e presencial do que realmente está acontecendo na cidade, por força de projetos de grande impacto e como esse processo viola os direitos humanos.
Minha avaliação é de que [a missão] foi excelente, inclusive a visita às autoridades também. A gente sentiu que estão alertas e também sabendo o que acontece, com processos investigativos em todos os níveis. No Judiciário, no Ministério Público, a Defensoria Pública é muito atuante. Apesar do que está acontecendo, que é contrário aos pactos internacionais de direitos humanos, tratados que o Brasil firma, existe aí uma luz. A gente acredita que, alimentando, pode-se conseguir ao menos um acordo mínimo para que essas famílias não sofram tanta angústia como hoje. Ao menos e, no mínimo, tendo direito à informação e saber qual vai ser o seu destino. Se possível, participar disso e evitar que medidas administrativas venham a demolir casas, retirar pessoas desses lugares onde habitam há vários anos.
Como as denúncias chegaram à Plataforma Dhesca?
Essas denúncias chegam porque a gente é articulado em rede e, em todas as redes, tem acesso à internet, e-mail. Todas essas denúncias vêm chegando desde 2008 e 2009, e a gente vem acompanhando, monitorando. De maneira muito angustiante e muito apreensiva verificamos que existem inúmeras ações, deslocamentos, despejos, não só pelo poder público mas também por força de medidas judiciais que às vezes não têm o devido processo legal, por exemplo. Chegou-se a um consenso de que São Paulo deveria ser o local da primeira missão e o tema seria prevenção de despejos.
Qual é o próximo passo da Relatoria agora?
Nós deliberamos nessa audiência pública uma série de iniciativas, vamos começar tentando finalizar o relatório que vai informar toda essa missão que foi realizada, relatório com recomendações a todas as entidades que estão envolvidas nessas questões de deslocamento e remoções. Vamos tentar encaminhar denúncias e pedidos de informação urgentes para casos que não possam aguardar o relatório e constituir um grupo de monitoramento dessas situações de remoções e despejos, grupo esse que tem base na organização da própria missão. É um grupo que já está constituído, que já está trabalhando junto e ao qual se agregam agora
novas forças. O Ministério Público se comprometeu a estar junto, o Poder Judiciário também tem um grupo de conflitos fundiários e está interessado em saber o que está acontecendo. Acho que isso vai dar maior sintonia e uma maior força para nossas ações daqui para frente.
E qual deve ser o papel das comunidades?
O papel das comunidades agora é muito importante. A gente precisa principalmente de informações para fechar o relatório de informações, dados, denúncias, situações, encaminhamentos e muitas propostas, como isso é feito, qual o processo para haver as remoções, o que está sendo violado e como essas comunidades estão vendo essas situações. As comunidades são nosso termômetro. Se as comunidades vão sustentar para nós que houve um refluxo dessas violações, se sustentarem que isso
aumentou, isso vai influenciar diretamente no relatório.
0 comentários