1ª Jornada em Defesa da Moradia Digna: fala do Carlos Henrique A. Loureiro

Companheiras e companheiros,

É uma grande honra e uma imensa alegria estar aqui junto com vocês para poder reafirmar o compromisso da Defensoria Pública em, colocando-se como parceira nessa luta, atuar pela defesa do direito à moradia e à cidade.

Mas é importante, no momento em que reafirmamos esse compromisso, lembrarmos como tudo começou, a fim de percebemos se estamos no caminho certo. E o nosso ponto de partida, quando demos início, enfim, junto com todo o movimento de moradia e todas as instituições parceiras, a UMM, o Polis, o Centro Gaspar Garcia, a Pastoral de Moradia, o escritório Modelo da PUC, a Caico, e a Anoreg, foi a Jornada pela Moradia Digna.

A Jornada pela Moradia Digna foi o momento muito rico para a Defensoria Pública, pois nós passamos a tentar entender problemas com os quais jamais tínhamos lidado, que desconhecíamos, e, assim, que não dávamos a devida importância. Mas muito mais do que conhecer problemas novos, pudemos conhecer lugares e pessoas que lutam com dificuldade para viver uma vida com dignidade. A riqueza deste momento de preparação da Jornada, foi, sem dúvida, termos tido a oportunidade de tomar contato direto com a realidade com o diálogo aberto com as comunidades carentes do direito à moradia. Isso nos colocou diante de uma certeza e muitas dúvidas: uma certeza: estávamos no lugar onde devíamos estar: do lado das pessoas mais pobres, tão pobres que sequer tinham palavras para exprimir seu sofrimento, e que vivem a angústia permanente de não saberem porque sofrem: porque não tenho um teto, água, luz, esgoto, telefone, acesso aos serviços de saúde, de educação, de transporte. Muitas dúvidas: o que fazer?

Nossa aposta, junto com todas as demais entidades parceiras foi: diálogo, troca de informações, tomada de consciência e ação conjunta. Nosso não saber, nossas limitações quanto as possíveis respostas prontas a respeito de uma infinidade de problemas complexos nos deu uma grande humildade. A humildade de saber que a nosso saber jurídico de pouco adiantaria se não pudéssemos ouvir as comunidades, e ajudá-las a se fazer ouvir: conversamos com as comunidades, deixando com que eles falassem, nos apontando os problemas ali, dentro do espaço da sua vida, pudemos tentar entender, concretamente, qual é esse grito abafado que clama por dignidade, e trocando informações, traduzindo em termos jurídicos os problemas envolvidos, pudemos fazer com que as comunidades participassem do encaminhamento das soluções aos problemas que enfrentavam, e partir disto, com a tomada de consciência das comunidades, pudemos fazê-los entrar na luta, sabendo contra o que estão lutando, e o que podem fazer para se fazerem ouvidos.

Durante a pré-jornada fizemos, enfim, muitas e muitas reuniões, conversas, muitas e muitas visitas a comunidades, e conhecemos pessoas e lugares tais como Brasilândia, Jd. Celeste, Favela do Moinho e Vila Itororó. A Defensoria Pública e todos os parceiros, a partir da experiência adquirida, preparamos o encaminhamento da solução de alguns dos problemas destas comunidades, e, mais do que isto, também nós preparamos para fazer uma grande festa de cidadania que foi esse encontro memorável, em que 3.000 pessoas, representativas dos quase 4 milhões de pessoas em São Paulo que vivem em condições sub-normais de moradia, puderam falar e serem ouvidas, e terem seus problemas considerados com seriedade e carinho.

Hoje estamos lembrando esse momento, o quanto ele é importante, o quanto ele precisa ficar, para sempre, gravado na nossa memória, por isso o livro, as fotos, os depoimentos, o vídeo: para que possamos lembrar: lembrar para seguir em frente. E é por isso também que estamos lançando a 2ª Jornada pela Moradia Digna, porque foi bom, valeu a pena, e queremos continuar.

Para a Defensoria Pública, e para os demais parceiros envolvidos, ficou o desafio de porem em prática as soluções encontradas durante esses encontros com as Comunidades que se apresentaram na Jornada, em especial, Brasilândia, Jd. Celeste, Favela do Moinho e Vila Itororó.

Gostaria de tentar transmitir, então, como estão indo os nossos esforços nessa empreitada: vamos lá: no caso da Brasilândia, que é uma comunidade formada a partir de um loteamento irregular decorrente da ocupação das áreas verdes e institucionais de um Conjunto habitacional da CDHU, por cerca de 5.000 pessoas, o grande problema que se colocava era o da existência de uma Ação de reintegração de Posse já julgada, definitivamente, que determinava a reintegração de posse, de todos os ocupantes dessas áreas verdes e institucionais. A regularização fundiária destas ares se mostrava impossível, não só por conta da necessidade de se manter abertos os espaços verdes e institucionais do conjunto habitacional já instalado e regular, mas porque, por conta da Reintegração de Posse, não havia a possibilidade de pedir a concessão de uso especial de bem público, com o exercício deste direito em outro local. A princípio, não havia solução. E como não existia solução, uma teve de ser criada: e veio no momento mais difícil, quando a CDHU, depois de anos de inércia, resolveu executar a Reintegração de Posse, nesse momento, surgiu a proposta da CDHU atender apenas parte da Comunidade instalada irregularmente no Conjunto Habitacional da Brasilândia, através da construção de mais um conjunto de prédios em uma área reservada dentro do conjunto. Tal proposta que não foi aceita pela Comunidade, e isto gerou um impasse, que lançou o medo no ar. Nesse momento tão difícil, porém, A UMM conseguiu, junto ao Ministério das Cidades, pelo PAC da Habitação, a destinação de uma vultosa quantia de recursos para regularização da situação da Brasilândia: essa foi a deixa para que a Defensoria propusesse Ação Civil Pública em face do Município de São Paulo, Estado de São Paulo e CDHU para que todos os ocupantes das áreas verdes e institucionais recebessem atendimento: afinal, não poderia haver mais a velha e boa desculpa da falta de recursos: e assim foi: passado um mês da propositura da Ação Civil Pública, a CDHU convidou a Defensoria e a Prefeitura de São Paulo para encaminhar um acordo, pelo qual todos seriam atendidos. Daí que ficou acordada a suspensão do processo, com o compromisso de que a Prefeitura e a CDHU encaminhassem atendimento para todas as famílias.

No caso do Jardim Celeste, tínhamos um Conjunto Habitacional dividido em diferentes setores, com situações contratuais diversas, umas envolvendo a construção por mutirão, outras por empreitada, instalado sobre uma área em processo de desapropriação, dentro de uma Zona Especial de Interesse Social. E como se não bastasse, já existia uma ação promovida pelo Ministério Público obrigando a Prefeitura a promover a regularização de parte do Conjunto. Uma situação extremamente complexa, que, de tantas variáveis, tantas possíveis soluções, não tinha nenhuma: por isso, uma solução teve de ser criada. E a solução criada, foi a de obrigar a Prefeitura a promover a Regularização Fundiária e Urbanística do Jd. Celeste a partir das regras diferenciadas e simplificadas do regime da Zona Especial de Interesse Social, em que basicamente, o plano de urbanização é feito pela Comunidade, e não imposto pela Administração. A Ação foi proposta em meados de outubro de 2007 pela Defensoria, Polis, Caico, e Associação do Movimento de Moradia da Região Sudeste, e esta sendo acompanhada por todos com muita atenção e esperança.

Quanto a Favela do Moinho, tínhamos uma favela construída em uma área “nom edificandi”, entre duas linhas trem, de propriedade da Rede Ferroviária Federal, que foi extinta, tendo sido arrematado este bem por particulares, em leilão extrajudicial, porém não registrada a carta de arrematação. Não se saberia, assim, com certeza, quem são os proprietários. No entanto, a Favela da Moinho reúne uma Comunidade que tem tempo de posse suficiente para propor a Usucapião, se o imóvel for considerado particular, como a própria Prefeitura de São Paulo, inclusive, tem considerado, eis que propôs Ação contra estes particulares que arremataram o imóvel para que fossem obrigados a dele fazerem uso, desfazendo o loteamento irregular decorrente da Favela do Moinho. O Escritório Modelo da PUC tem acompanhado de perto este caso e tem tomado providências para encaminhar a propositura de Ação de Usucapião Coletivo, porém, a questão não se resolve só com a eventual regularização fundiária, eis que é urgente também a urbanística, eis que a Comunidade da Favela do Moinho não tem acesso a mais básica infra estrutura, não tem água, luz, esgoto, não tem nada. E o mais difícil é que, Sendo formada principalmente por catadores, não lhes interessa sequer receber atendimento habitacional em outro local, pois somente no centro da cidade é que tem possibilidade de gerar emprego e renda, já que é no centro que se encontra a maior quantidade de material reciclado. A preocupação do Escritório Modelo da PUC e da Defensoria, além disso, são as constantes ameaças da Prefeitura de remover a Favela do Moinho de remover a ocupação extrajudicialmente, através da Ordem Interna 01/2007. No entanto, se isso acontecer, o Escritório Modelo da PUC e a Defensoria Pública tentaram impedir alegando que a Favela do Moinho não pode ser removida, eis que também se encontra em área de ZEIS, em que, portanto existe interesse público declarado de se fazer a regularização fundiária e urbanística, com a produção de moradia popular.

Já com relação a Vila Itororó, tínhamos um imóvel particular tombado pelo patrimônio histórico ocupado por uma população encortiçada, que reúne tempo de posse suficiente para propor Ação de Usucapião Coletiva ou Individual. O Centro Gaspar Garcia tem acompanhado de perto este caso e feito várias reuniões, porém, não conseguiu sensibilizar todos os moradores, tendo, portanto, proposto apenas algumas ações de usucapião individual. A questão é preocupante pois existe um projeto da Secretaria da Cultura de São Paulo de transformar a Vila Itororó em um Centro Cultural, e que, para tanto, existia um processo de desapropriação em curso, o que prejudicaria as ações de usucapião.

Para além de dar este relato sobre aos esforços da Defensoria Pública e de todas as entidades parceiras, gostaria também de aproveitar a ocasião para expor o trabalho do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública bate aqui.

Nosso dia a dia é fazer o que nunca foi feito, nosso cotidiano é uma revolução em doses homeopáticas. Nossos esforços principais tem sido, principalmente, de combate aos despejos forçados provocados pela Prefeitura de São Paulo, que desrespeita a Constituição, o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor, propusemos, nestes 16 meses de existência, 36 Ações Civis Públicas, e temos 107 Procedimentos de Investigação Preliminar em curso. As Ações Civis Públicas pedem atendimento habitacional as Comunidades das favelas e loteamentos irregulares com base nos recursos do Fundo Municipal de Habitação, combatendo firmemente o “cheque despejo”,  pedem regularização fundiária em áreas públicas pelo reconhecimento de concessão de uso especial, individual ou coletiva, pedem regularização fundiária nas áreas de ZEIS, pedem a paralisação de operações de remoção de loteamentos irregulares com base na “Ordem Interna 01/2007, que faz parte do projeto de Cidade Limpa, que promove a mais escancarada expulsão sócio-territorial da população pobre da Cidade jamais vista, pedem a paralisação de operações de remoção de favelas em áreas de ZEIS e de Operação Urbana Consorciada, para preservar a seriedade do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor.

Temos trabalhado bastante na Construção de um Núcleo de Habitação e Urbanismo forte, atuante, corajoso, e hoje dispomos de 42 Defensores Públicos no Núcleo, dedicados as questões do direito à moradia e do direito à cidade. Temos tentado aprender todos os dias, porque a realidade nos desafia permanentemente, sem cessar: as arbitrariedades do poder público, na afronta ao direito à moradia são cada vez mais violentas e profundas, e, embora nossa luta seja difícil, não é impossível: gostaria de lembrar que, recentemente, o Núcleo de Habitação e Urbanismo propôs duas ações Civis Públicas para fazer cessar operações de remoção irregular de favelas, uma em Paraisópolis e outra no Jardim Edite, estas ações tiveram liminar impedindo que a Prefeitura continuasse a remover a população da Comunidade em desrespeito a disciplina da ZEIS e de Operação Urbana Consorciada. Estas duas vitórias são históricas,e nos enchem de orgulho, e são uma demonstração do esforço que temos empreendido na tentativa de nos mostrarmos nossa fidelidade ao compromisso de  estarmos, junto com todas as demais entidades parceiras da Jornada,  ao lado do povo em suas lutas pela moradia digna.

Gostaria, nesse momento, de lembrar de algumas pessoas e acontecimentos que me marcaram pessoalmente e ajudaram a mim a Defensoria Pública a fazerem o melhor.

Em primeiro lugar, a minha esposa, amiga, amante, Renata, luz da minha vida e razão da minha existência: quem esta sempre comigo, nos bons e maus momentos.

Meu muito obrigado ao Dr. Vitore, Dr. Renato e a Dra. Cristina, respectivamente, 2º Subdefensor Público Geral do Estado, 1º Subdefensor Público Geral do Estado, e Defensora Pública Geral do Estado, pela confiança em mim depositada (eu não sei quem é mais doido, se sou eu ou se são eles, meus amigos…), ao Dito, pelo apoio e confiança, e a todo o pessoal da UMM, ao Paulo e a Patrícia, e ao Nelson, do Polis, sem vocês isso não teria acontecido, ao Luiz Kohara e ao pessoal do Centro Gaspar Garcia, a Ana Claúdia e ao pessoal do Escritório Modelo da PUC, a Solange e ao Aymar e a todo o pessoal do Jardim Celeste, adoro vocês. Todos vocês me ensinaram muito. Gostaria, por fim, de deixar minha extrema solidariedade com a Comunidade do Jd. Gaivotas, a primeira a ser atingida pela Ordem Interna 01/2007, e de mandar um grande abraço as Dras. Fernanda Leão e Jaqueline Lorenzetti, Promotoras de Justiça, grandes defensoras da população pobre desta cidade.

Muito obrigado!

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