Por um Plano Diretor democrático e sério

OS CIDADÃOS paulistanos e o conjunto das entidades da sociedade civil foram recentemente surpreendidos com a insólita decisão dos vereadores da Câmara Municipal de elaborar, de forma reservada, um novo projeto de revisão do Plano Diretor, ainda não divulgado, destinado a ser aprovado nas próximas semanas.
É o que permitiria propor a seguir um novo plano de uso e ocupação do solo, de interesse direto do setor imobiliário, para o qual vereadores já teriam preparados dezenas de emendas de caráter pontual e casuístico.
Essa iniciativa dos vereadores revela-se inaceitável para os paulistanos por várias razões.
Primeiro, por desconhecer na prática que o atual Plano Diretor é vigente até 2012 e que deve ser implementado por inúmeras medidas técnicas e administrativas, das quais muitas não foram ainda providenciadas.
Como, por exemplo, a elaboração do Plano de Transportes e Circulação e do Plano Habitacional.
Dessa implementação faz parte uma revisão das medidas operacionais constantes do plano, a ser feita de acordo com a experiência desenvolvida até o momento.
A tarefa específica que cabe à Câmara é o estudo e aprovação do projeto de lei que institui essa revisão, e não a formulação extemporânea de um novo Plano Diretor.
Segundo, a iniciativa do Legislativo é inaceitável por descumprir os dispositivos constitucionais (Estatuto da Cidade). Estas exigem que todas as fases e partes do Plano Diretor se baseiem em ampla participação popular, considerando que, no longo prazo de vigência desse plano, abrangendo vários governos, é a sociedade que sofrerá seus efeitos, colherá seus benefícios e arcará com seus encargos.
Terceiro, o método adotado pelo Legislativo não é confiável, pois é evidente que se pretende, a curto prazo, consagrar em lei as decisões tomadas por um coletivo restrito de políticos.
Sem a suficiente avaliação técnica e debate democrático, traria como resultado um plano desconexo, arbitrário e imprevisível, elaborado ao sabor da preferência momentânea de vereadores presentes, fórmula perfeita para o que muitos já designam como “Plano Frankenstein”.
Não encontramos justificativa para esse comportamento suspeito e de alto risco adotado pela Câmara, a não ser a vontade de reforçar o caráter centralizador, excludente e manipulador deste novo projeto de revisão do Plano Diretor, o que poderia servir apenas aos interesses dos próprios vereadores e de seus apoiadores econômicos, notadamente aqueles do setor imobiliário.
É preciso lembrar que, no processo de revisão do Plano Diretor, a sociedade civil vem fazendo sua parte. Por meio de conjunto de entidades de inquestionável representatividade, que hoje são quase 210 (veja lista em www.grupos.com.br/blog/Plano-Diretor/), reunidas na Frente em Defesa do Plano Diretor.
Essas entidades têm apresentado críticas e sugestões objetivas às propostas de conteúdo e método da revisão encaminhadas pelo Executivo, bem como têm promovido as ações judiciais cabíveis para preservar sua consistência legal.
Não é razoável, portanto, que o Legislativo municipal, apoiado pelo Executivo, desconheça agora todo esse esforço por um plano competente, sério e democrático e se permita recomeçar o processo de revisão a partir de novas e discutíveis premissas, em um contexto totalmente adverso, em que não existe qualquer perspectiva de se chegar, nos prazos previstos, a um resultado que seja confiável para o conjunto da sociedade e coerente com os parâmetros legais já estabelecidos.
Assim, é fundamental estarem presentes as duas reivindicações principais apresentadas pela sociedade civil, cujo atendimento torna-se agora, mais do que nunca, necessário:
1) Que se devolva ao Executivo o projeto de revisão do Plano Diretor, para que seja enquadrado nos parâmetros estabelecidos no artigo 293 da lei nº 13.430/02 (que instituiu o Plano Diretor Estratégico na cidade de São Paulo);
2) Que todos os elementos substantivos referentes ao conteúdo do Plano Diretor, ora considerados de forma aleatória e extemporânea, passem a ser ordenadamente formulados como subsídios ao processo de elaboração do Plano Diretor de 2012 a 2022, destinado a aperfeiçoar e dar continuidade ao plano hoje vigente.
Daí a importância desse processo de elaboração ser discutido e definido o quanto antes, de forma a assegurar-lhe a amplitude e a consistência técnica e política necessárias para engajar-se na construção planejada da cidade desejada por todos.


LUIZ CARLOS COSTA , 74, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, consultor em planejamento, é diretor do Movimento Defenda São Paulo para essa área.

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