Em outubro de 2008, completam-se 20 anos do reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas à propriedade de suas terras. Uma reparação tardia da sociedade brasileira pela barbárie da escravidão.
Nesses 20 anos, presenciamos a resistência dos diferentes governos em cumprir a determinação constitucional. Até fevereiro de 2008, apenas 82 territórios quilombolas encontravam-se titulados em todo País. O governo Lula entregou apenas sete títulos para comunidades quilombolas desde 2003.
Mesmo esse tímido índice de titulações gerou protestos e acusações do setor ruralista, de corporações transnacionais e de parlamentares da base aliada do governo amplamente divulgadas pela grande imprensa. O Decreto 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para titulação das terras quilombolas é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal ajuizada pelo Partido dos Democratas e de projeto de decreto legislativo visando sua anulação, de autoria do deputado federal Valdir Colatto (PMDB/SC).
Nesse cenário adverso, a posição do governo federal é de recuo ao invés da firme defesa dos direitos assegurados na Constituição e do combate à discriminação que vem sofrendo o povo quilombola.
O recuo se materializa no novo texto da Instrução Normativa do Incra que a Advocacia Geral da União insiste em aprovar sem uma verdadeira participação dos quilombolas e da sociedade, conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Cumpre ressaltar que as mudanças da IN 20/2005 do Incra propostas pelo governo no fim do ano já foram rechaçadas por diversas associações quilombolas e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). Em nota divulgada à imprensa, os quilombolas denunciaram que tais mudanças representam um retrocesso às garantia de seus direitos socioculturais, dentre outras razões, porque tornam o processo mais burocratizado e moroso.
Não houve transparência no processo de definição da nova norma. A minuta foi elaborada por um grupo de trabalho do governo e, somente após meses de atividade, os quilombolas foram convocados para referendar um texto pronto sem ampla possibilidade de contribuição com o conteúdo do mesmo. Tal fato ocorreu em dezembro de 2007 quando os quilombolas se recusaram a tomar parte e denunciaram uma consulta inventada, que não havia sido seriamente preparada. Procedimento semelhante irá se repetir agora na segunda chamada para “consulta” prevista para abril de 2008. Novamente, o prazo e o formato proposto pela Advocacia Geral da União não permitirá que a minuta possa ser efetivamente discutida pelos quilombolas.
Diante do exposto, as organizações abaixo-assinadas vêm a público:
- Defender a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003 reforçando que a simples existência de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade não significa que a reclamação que ali existe será julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal.
- Conclamar os Deputados e Senadores a Rejeitarem os Decretos Legislativos 44/2007 e 326/2007, seguindo o exemplo da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados que aprovou parecer contrário ao PDC 44, em outubro de 2007.
- Denunciar que as mudanças da IN 20/2005 do Incra nos termos propostos pelo governo representam um retrocesso na garantia dos direitos quilombolas reconhecidos na Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT e no Decreto 4.887/2003.
- Repudiar a forma não transparente como o governo federal atuou na elaboração da nova instrução normativa.
- Exigir que o governo federal respeite e garanta as condições adequadas para que se estabeleça um processo de consulta legítimo, que permita a ampla discussão e participação do movimento e da sociedade civil, conforme determina a Convenção 169 da OIT.
- Manifestar nossa solidariedade aos homens e mulheres quilombolas especialmente nesse momento em que são vítimas de ataques discriminatórios e injustamente acusados de levar o conflito para o campo.
28 de março de 2008
Action Aid
Articulação Regional de Mulheres Negras Quilombolas do Médio-Mearim
Associação Brasileira de ONGs – ABONG
Associação da Comunidade Quilombola de Jacarei dos Pretos
Associação de Moradores do Quilombo Santa Maria dos Pretos
Associação de Moradores do Quilombo Bom Jesus dos Pretos
Associação de Moradores do Quilombo Frechal
Associação de Moradores do Quilombo Santa Rosa dos Pretos
Associação de Moradores do Quilombo Santo Antonio dos Pretos
Associação Rural de Moradores do Quilombo Jamary dos Pretos
Balcão de Direitos da Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Conscientização Negra de Pedreiras
Centro de Cultura Negra do Maranhão – CCN-MA
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
Centro pela Justiça e Direito Internacional – CEJIL
Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos – COHRE
Centro Luiz Freire
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Rio de Janeiro
Comissão Pastoral da Terra Regional da Bahia – CPT-BA
Comissão Pró-Índio de São Paulo -CPI-SP
Companhia de Dança Afro e Popular Akyloã
Conselho Municipal das Populações Afro-Descendentes de São Luís
Coordenadoria Ecumênica de Serviço -CESE
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço
Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais – N´golo
Fórum Estadual de Entidades Negras do Maranhão
Grupo de Negros Palmares Renascendo de Bacabal
Instituto das Mulheres Negras
Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos – IACOREQ
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Justiça Global
Mariana Criola
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
União de Moradores do Quilombo Santarém
União Nacional por Moradia Popular
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