URBANIZAÇÃO DE FAVELAS: AS PAUTAS CRUCIAIS DO 2º ENCONTRO DA ZONA LESTE

Nas regiões metropolitanas, as favelas vêm apresentando crescente adensamento e verticalização, processos que têm agravado as condições de moradia e mobilidade, além de sobrecarregar a infraestrutura urbana, especialmente os sistemas de energia e saneamento. Estes aspectos precisam ser considerados nos projetos de urbanização de favelas, apontou Rosana Denaldi, vice-diretora do Centro de Estudos da Favela (CEFAVELA-Cepid/Fapesp), em mesa redonda do 2º Encontro de Favelas na Zona Leste, realizada no sábado, 18 de outubro, no Centro Pastoral São José, no Belenzinho, em São Paulo.

O 2º Encontro de Favelas na Zona Leste foi organizado pelo Movimento de Defesa das Favelas (MDF) e a Secretaria de Favelas da União dos Movimentos de Moradia (UMM) para os moradores das comunidades debaterem o tema “A luta pela urbanização e posse da terra nas favelas”. O CEFAVELA foi um dos apoiadores do evento e colaborou com o encontro preparatório organizado em agosto deste ano para a discussão prévia, realizado na favela Vergueirinho, em São Mateus, e na sede do MDF, na Vila Alpina, na cidade de São Paulo. 

Estiveram presentes no evento cerca de 120 pessoas, entre moradores e lideranças das favelas da Zona Leste e também de outras regiões da cidade e do estado de São Paulo. Na ocasião, foi lançado o documentário “Quais histórias de urbanização contadas pelas nossas favelas?”, produzido a partir das reuniões preparatórias para o 2º Encontro, quando os participantes puderam recuperar a memória sobre a favela que foi erigida a partir de seus esforços e luta coletiva.

Na primeira atividade do dia, uma mesa redonda sobre os desafios e os impactos da urbanização de favelas e regularização fundiária, Rosana Denaldi apresentou as abordagens e desafios que persistem na intervenção em favelas. Inicialmente, ela fez uma recuperação histórica da urbanização, partindo da fase em que a política pública e a sociedade ou ignorava a presença das favelas ou discutia e executava ações de despejo. 

Já nos anos 1980 a luta pela urbanização se deu em um contexto de máxima precariedade, com a falta de energia elétrica, água encanada e sistema de esgoto. “Como sabemos pelos relatos que temos dos próprios moradores, as casas e parte dessa infraestrutura foram construídas por eles, e a luta muda de caráter”, apontou ela. Assim, nos anos 1990, iniciaram as discussões para se desenvolver uma urbanização integral nesses territórios, que incorpora componentes como construção de equipamentos sociais, áreas verdes e de lazer, melhoria habitacional, produção de novas moradias, eliminação de situações de risco e recuperação ambiental, construção de creches e escolas, melhorias no transporte e acessibilidade e disponibilização de programas sociais. 

A melhoria das casas é ponto crucial para a urbanização. “As favelas adensaram e se verticalizam, o que não garantiu áreas de circulação, e as casas hoje não têm ventilação e iluminação natural, o que também impacta a saúde dos moradores, especialmente os mais vulneráveis, que são as crianças e idosos. Muitas vezes há energia, água e esgoto, mas a qualidade da moradia não é boa”, destacou ela. “Com as mudanças climáticas, esse problema tende a se agravar. Já temos dados indicando que as favelas registram temperaturas muito mais elevadas do que bairros em seu entorno”, lembrou.

Segundo ela, outro aspecto crítico que pode ser observado nas favelas em razão do adensamento e verticalização é a sobrecarga na infraestrutura de saneamento e de energia. No caso desta última, é um fenômeno visível nos postes, que muitas vezes apresentam um emaranhado de fios e são ‘engolidos’ pelas residências, tão próximos que estão das casas.

Há, também, consequências negativas das intervenções que, em princípio, melhoraram a vida dos habitantes das favelas. Uma delas é a re-precarização de áreas urbanizadas, como a construção de moradias nas margens de córregos que foram canalizados. Outro exemplo visível nos territórios é a ocupação privada de espaços públicos, como o fechamento de pracinhas e áreas verdes por pessoas que ocupam essas áreas para construção de suas moradias ou pela criminalidade.  

Rosana Denaldi recordou, ainda, que a complexidade dos territórios pode demandar por ações de urbanização ou por remoção, o que é ainda mais crítico. “Precisamos discutir quando é preciso remover. Há situações em que, para ter iluminação, ventilação, sair da situação de risco, é preciso remover. Então, às vezes, a luta será para uma remoção para uma boa construção, uma área bem localizada”, disse. Entra nesse contexto as favelas construídas em áreas de proteção ambiental.

Observa-se um forte mercado imobiliário nas favelas, com a construção de pequenos prédios e foco no aluguel de moradias. “Além da sobrecarga na infraestrutura, esse mercado do aluguel traz dúvidas sobre a possibilidade de  regularização e o acesso a programas de ‘melhoria habitacional’”, comentou. Como exemplos, ela citou o acesso a programas para reformar as habitações que são alugadas e a regularização de construções feitas por uma única pessoa que tem mais de uma moradia no território. 

A partir desses pontos, a pesquisadora propôs uma agenda que contempla o aumento de investimentos em urbanização pelo governo federal; priorização da favela nas agendas dos governos estadual e municipal; presença do poder municipal na favela; direito ao saneamento integrado, áreas de lazer, equipamentos sociais e moradia digna; moradias com boa localização e de qualidade no caso de remoções e reassentamentos; garantia de moradia de qualidade em favela urbanizada ou em processo de urbanização; elaboração de estratégias para enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas; articulação de programas sociais para uma política integrada; criação e respeito a mecanismos de participação da população na elaboração e execução das políticas públicas para favelas.

Após a apresentação de Rosana Denaldi, o advogado Miguel Reis Afonso falou sobre a nova lei de regularização dos terrenos e construções em favelas e as dificuldades que podem ser enfrentadas por quem a busca. Em seguida, Benedito Roberto Barbosa, coordenador da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, defendeu a perenização das políticas públicas e apresentou resultados do Relatório Nacional: Cinco Anos da Campanha Despejo Zero – A Luta Continua. Segundo o documento, 2.098.948 pessoas foram afetadas por despejos e remoções forçadas entre março de 2020 e agosto de 2025. Dessas, 415.592 são crianças, 327.436 são idosas, 1.313.941 são mulheres, e 1.391.603 são negras.

Exposição e documentário contam a história de luta das favelas

Durante o 2º Encontro de Favelas na Zona Leste, foi realizada a abertura da exposição “Quais histórias de urbanização contadas pelas nossas favelas?” e o lançamento e exibição do documentário, atividades apresentadas por Ana Gabriela Akaishi, Leonardo Pequi e Elton Conceição dos Santos, pesquisadores do CEFAVELA. O documentário, dirigido por Elton Santos, pode ser visto no canal do CEFAVELA no Youtube. A ideia é que a exposição seja circulante, e que possa ser exibida, junto com o documentário, em escolas públicas de São Paulo, motivando o debate entre estudantes e comunidade sobre o tema. 

Na parte da tarde, os participantes do Encontro se dividiram em cinco grupos de trabalho temáticos com o objetivo de fazer proposições sobre: urbanização de favelas integral e integrada; assessoria técnica popular para moradia digna; regularização fundiária; justiça socioambiental e emergência climática; e atendimentos habitacionais: do provisório ao definitivo. Ao final, uma plenária discutiu os termos de elaboração de uma carta que terá as reivindicações relacionadas aos temas dos grupos e que será enviada a órgãos do poder público e outros atores.

A participação do CEFAVELA no 2º Encontro faz parte do projeto de extensão “Práticas metodológicas para a recuperação, sistematização e disseminação da memória relacionada às ações de urbanização de favelas na zona leste de São Paulo”, coordenado por Rosana Denaldi, Ana Gabriela Akaishi e Leonardo Pequi. Conta com mais 10 pesquisadores do Centro, entre pós-doutorandos, pós-graduandos e graduandos, e integra as iniciativas de transferência do conhecimento produzido pelos pesquisadores para a sociedade, um requisito fundamental de um Centro de Pesquisa, Difusão e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid-Fapesp) e uma diretriz do CEFAVELA.

Publicado originalmente em: https://cefavela.ufabc.edu.br/intervencoes-para-melhoria-das-condicoes-habitacionais-e-reducao-da-sobrecarga-de-infraestrutura-devem-ser-contempladas-nos-projetos-de-urbanizacao-de-favelas/

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