No começo de setembro, a Prefeitura de São Paulo, depois de anos de discussões e ações judiciais, iniciou a demolição do edifício São Vito, projetado em 1959 pelo meu avô, Aron Kogan (que morreu 25 anos antes do meu nascimento), juntamente com Waldomiro Zarzur.
O São Vito é conhecido como um símbolo da degradação do centro da cidade. Para quem passa pela avenida do Estado, o edifício parece chocante. A administração amadora do gigantesco condomínio, feita pelos próprios moradores, sempre suscetível à alta inadimplência, mostrou-se ineficiente, e o tempo foi implacável.
Gerir um prédio desse tamanho é tão complexo quanto dirigir uma grande empresa. A prefeitura, então, sentenciou seu fim. Antes de decisão estética, trata-se de uma decisão política: a concepção urbanística presente no São Vito confronta o pensamento ideológico que rege a construção da cidade contemporânea. A sua demolição, e não propriamente seu estado de conservação, deve ser lembrada como um símbolo do desastre político e urbanístico de São Paulo.
O prédio foi pensado como uma habitação hiperdensa no centro, principalmente para populações migrantes de baixa renda, e oferecia uma excelente qualidade arquitetônica, com generosos panos de vidro. Era uma habitação próxima do trabalho, o que reduzia deslocamentos. A multiplicação vertical do precioso solo urbano foi fundamental para sua viabilização. Essas ideias presentes no São Vito podem, ainda hoje, ser tomadas como paradigmas fundamentais para a construção da cidade -contraposição à baixa densidade e ao processo de periferização.
O desastre habitacional de São Paulo intensifica todos os demais problemas urbanos: o transporte público torna-se extenso e custoso, e os equipamentos precisam ser numerosos. A melhora da cidade passa necessariamente pela ideia de adensamento planejado. A prefeitura iniciou a demolição do São Vito sem saber ao certo o que vai colocar no lugar. Especulou-se a construção de um estacionamento. Assim, a prefeitura aprofundaria o problema urbano, por meio de uma ideia anacrônica de estímulo ao transporte privado.
Por trás da demolição há, na verdade, a ideia de “revitalização”. Quando se fala em “revitalização”, fala-se, necessariamente, em valorização do preço da terra; e, quando se fala em valorização do preço da terra, a consequência certa é a expulsão das camadas mais pobres da população, que serão forçadas a morar em periferias sempre mais distantes. Intensifica-se, assim, o desadensamento, a segregação social e a periferização. O que se planeja aqui não é apenas a demolição do São Vito; ele é uma pedra no meio do caminho.
Planeja-se uma cruel periferia e uma cidade limpa, asséptica, uma cidade para poucos, dividida. Planeja-se uma cidade inviável, sem futuro possível, que derrama seu próprio veneno a cada chuva e a cada congestionamento.Se quiserem demolir o São Vito e apagar a caligrafia urbana de suas janelas, a única resposta possível, em uma cidade humana e democrática, é sua reconstrução.
GABRIEL KOGAN, 25, é arquiteto e urbanista e neto de Aron Kogan, arquiteto do edifício São Vito.
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