A sessão vai começar às 19h, mas antes das 17h já se ouve o burburinho em torno da rua da igreja, no coração da Favela da Vila Prudente, na zona leste paulistana.
As crianças são as primeiras a chegar, junto com a van que traz telão, projetor e som.
Do salão pastoral saem alguns rapazes para descarregar os equipamentos. Dentro, mulheres põem o guaraná para gelar e estouram pipoca para distribuir nesse sábado de calor durante o Eco Cine Favela.
Um morador sai de uma viela, cruza a rua da igreja, a mais ampla da favela, cumprimenta o pessoal e acaba voltando para ajudar a erguer o telão.
Sob a imagem de São José Operário, padroeiro da comunidade, o DJ pluga um notebook nas caixas de som e solta um samba. O cinema a céu aberto começa a ser montado.
PRODUÇÃO CASEIRA
Os moradores souberam do evento dias antes. Cartazes e banner foram espalhados.
Um rimador popular na comunidade pôs um vídeo no blog do grupo, em que, no improviso, chama para a sessão.
Cristiano Cardoso, 26, o Santista, também presidente da cooperativa Recifavela, comemora a aceitação do projeto.
Tinha motivos para não festejar. A chuva de três dias antes havia alagado o depósito de recicláveis na avenida Prof. Luiz Ignácio Anhaia Mello, perto da comunidade. A cooperativa teve prejuízo.
Mas aquele sábado (17) era de festa, dia da quinta e última exibição do ano do cine, que prometeu voltar em 2012.
No ano que vem, além de mostrar curtas vindos de fora, o grupo quer exibir filmes feitos na favela. Jovens fizeram cursos de roteiro e cinegrafia com a Kinoforum, associação que fomenta polos de cultura e faz há duas décadas o Festival Internacional de Curtas.
O telão e a câmera são emprestados da Kinoforum, que ainda dá R$ 150 para a pipoca.
CONSTRUÇÃO
O coletivo de cerca de 20 pessoas roda um documentário da história da favela. “Vamos atrás dos moradores mais velhos. Uns aceitam filmar, outros, não. Mas eles indicam outro morador que é ainda mais velho, e aí vamos bater na casa desse.”
Segundo os relatos, os primeiros moradores, trabalhadores da construção civil, ergueram parte dos prédios e das avenidas da Vila Prudente.
“Livros sobre a Vila Prudente tem, mas nenhum que fale quem ajudou a construir o bairro, nada da favela”, diz.
A ideia, então, é registrar essa parte da história em vídeo, linguagem mais acessível.
FUNK, PIÃO E VIELAS
Escurece às quase 20h, e o filme começa. O primeiro é de um garoto da favela dançando como um rapper. Reúnem-se em torno do telão umas 150 pessoas, a maioria crianças.
“O projeto tem que reforçar a identidade do morador, sem estereótipo, mas não pode deixar de mostrar pra ele o seu papel”, diz André da Silva, 34, morador da comunidade.
Na vinheta que abre o cine,a câmera corre rente ao chão pelas vielas, no estilo “Cidade de Deus”, flagrando crianças correndo e girando um pião.
“Quero levar [a experiência] pro lado profissional”, diz o cinegrafista do grupo, Fernando de Lima, 17, o Nego Bala.
Ele, que diz só pensar “em câmera 24 horas por dia”, fez um curta pela Kinoforum (‘Você Vê o Que Eu Vejo?’), com cenas da comunidade, e foi premiado num festival.
“Esses jovens vão para o mercado com uma bagagem grande de vivências, de olhares”, diz Silva.
Às 22h acabam os filmes e rojões explodem. O DJ toca um funk. Alguns pais vêm buscar as crianças e a rua da igreja começa a se esvaziar.
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